domingo, 5 de dezembro de 2010

Paternidade?

...A luz nunca está presente aqui, mas quando ela entra pela fresta da porta ela me traz terror, pois sei que novamente serei abusada. Na verdade já me acostumei com a escuridão, quando tudo acaba ela me avisa que ele já se foi. E nela não me posso ver, maltratada, mal cuidada, um objeto de prazer pra mais um monstro dentre tantos por aí, então ela de forma contraditória e covarde me acalma, não posso ver no que ele está me tornando. Não me acostumei com a situação, jamais me acostumaria a viver em um porão escuro e sujo, jamais me adaptaria a escrava sexual nem tampouco sentiria qualquer sentimento bom pelo desgraçado que me mantém prisioneira aqui. Eu sinto ódio, ódio dessa criança na minha barriga, que sei que serei obrigada a ter, e que ela também temerá a luz, ódio desse que tem capacidade de se dizer pai, que me prende os braços e me tapa a boca, que me vira e desvira da maneira que bem entender. Não, não é fácil me proteger, temo morrer, sou fraca e arrogante demais para querer morrer jovem, e não vejo saída, estou cegando-me pelo ódio e desespero. E me dói saber que em algum lugar do mundo a cena se repete que muitas meninas nascem para essa finalidade: prisioneiras. Por hoje vou dormir, e frieza, consigo dormir, tenho sonhado com mulheres livres, caminhando pelas ruas de mãos dadas com suas companheiras, lutando pelas tantas que assim como eu estão condenadas a escuridão, criando sites e se organizando para libertarem as que virão. Nos sonhos eu sou mais que um objeto sexual, mais que um brinquedo ou um animal indefeso enjaulado, nesses sonhos sou apenas uma menina. E elas se importam com isso. Elas me amam;Vou dormir, a barriga pesa, pedir para que não acorde com a luz que entra pela fresta, que sempre me traz horrores. Vou dormir apenas isso, o ódio ainda me cega e a desesperança entristece meus dias.
Maldito homem que se sente meu dono. Malditas condições de vida me deram como mulher. Mas morrerei e nascerei mulher quantas vezes necessário. Pois acredito naquelas que se preocupam comigo. Se eu abrir os olhos verei esse maldito porão.
Mas se fechá-los posso até senti-las, posso ler seus cartazes nas ruas.
Por isso temo morrer, não posso lutar,
mas há aquelas que lutam por mim.

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