...A luz nunca está presente aqui, mas quando ela entra pela fresta da porta ela me traz terror, pois sei que novamente serei abusada. Na verdade já me acostumei com a escuridão, quando tudo acaba ela me avisa que ele já se foi. E nela não me posso ver, maltratada, mal cuidada, um objeto de prazer pra mais um monstro dentre tantos por aí, então ela de forma contraditória e covarde me acalma, não posso ver no que ele está me tornando. Não me acostumei com a situação, jamais me acostumaria a viver em um porão escuro e sujo, jamais me adaptaria a escrava sexual nem tampouco sentiria qualquer sentimento bom pelo desgraçado que me mantém prisioneira aqui. Eu sinto ódio, ódio dessa criança na minha barriga, que sei que serei obrigada a ter, e que ela também temerá a luz, ódio desse que tem capacidade de se dizer pai, que me prende os braços e me tapa a boca, que me vira e desvira da maneira que bem entender. Não, não é fácil me proteger, temo morrer, sou fraca e arrogante demais para querer morrer jovem, e não vejo saída, estou cegando-me pelo ódio e desespero. E me dói saber que em algum lugar do mundo a cena se repete que muitas meninas nascem para essa finalidade: prisioneiras. Por hoje vou dormir, e frieza, consigo dormir, tenho sonhado com mulheres livres, caminhando pelas ruas de mãos dadas com suas companheiras, lutando pelas tantas que assim como eu estão condenadas a escuridão, criando sites e se organizando para libertarem as que virão. Nos sonhos eu sou mais que um objeto sexual, mais que um brinquedo ou um animal indefeso enjaulado, nesses sonhos sou apenas uma menina. E elas se importam com isso. Elas me amam;Vou dormir, a barriga pesa, pedir para que não acorde com a luz que entra pela fresta, que sempre me traz horrores. Vou dormir apenas isso, o ódio ainda me cega e a desesperança entristece meus dias.
Maldito homem que se sente meu dono. Malditas condições de vida me deram como mulher. Mas morrerei e nascerei mulher quantas vezes necessário. Pois acredito naquelas que se preocupam comigo. Se eu abrir os olhos verei esse maldito porão.
Mas se fechá-los posso até senti-las, posso ler seus cartazes nas ruas.
Por isso temo morrer, não posso lutar,
mas há aquelas que lutam por mim.
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